- Luís Casal Ribeiro Cabral - Fevereiro de 2019

- Luís Casal Ribeiro Cabral - Fevereiro de 2019 

A Entrevista (de)Vida deste mês ficou, literalmente, em família.

Primeiro, porque convidámos para conversar connosco o médico Luís Casal Ribeiro Cabral, pai do assistente espiritual da AMCP, padre Miguel Cabral, e, segundo, porque o nosso convidado construiu uma família numerosa, ao seguir a tradição familiar dos seus pais. Luís Cabral tem sete filhos e 22 netos.

Para além disso, com uma vida profissional de 48 anos inteiramente dedicada à Obstetrícia, ajudou milhares de famílias a nascer e a crescer, e isto além de ser co-fundador da Associação Portuguesa das Famílias Numerosas (APFN), nascida em abril de 1999 para representar as famílias onde há pelo menos três filhos.

Fora da atividade profissional dedica-se a algumas ações de voluntariado, nomeadamente no combate à solidão, e à prática desportiva, com especial predileção por ténis e ciclismo que pratica duas vezes por semana.

 

"Quando falha a família, falha quase tudo."
Luís Casal Ribeiro Cabral

 

Permita-nos uma primeira pergunta não relacionada consigo. Como está a sua mãe? Soubemos que a Avó Teresinha, como é conhecida na família e não só, está prestes a celebrar cem anos de vida. Como está a ser preparada a celebração familiar?

Como somos mais de 200 familiares diretos, incluindo 13 filhos, 43 netos, 81 bisnetos, noras e genros e maridos e mulheres dos netos e bisnetos, só há uma possibilidade que é festejar em casa dela. Aliás será sempre a melhor solução porque a mobilidade já não é muita. De cabeça está fantástica, melhor que nós os filhos. Está a par de tudo, notícias nacionais e estrangeiras, desporto, namoros e estudos dos netos e bisnetos, da economia doméstica, etc. Preocupa-se e interessa-se por todos. 


Como foi crescer numa família numerosa, de treze filhos, e como é isso de ter uma família grande, já que é pai de sete?

Na minha família há muitos engenheiros e padres, mas também tive um tio médico. Eu escolhi esta profissão por gosto e não por ter apoios familiares neste ramo, embora mais tarde venha a casar com uma filha de um médico e acabasse por trabalhar com o meu sogro que era também Ginecologista e Obstetra, o Prof. Doutor António de Castro Caldas.

Sendo de uma família muito numerosa e muito unida, procurei sempre conciliar o meu trabalho com os inúmeros programas familiares, o que por vezes não é fácil. Mas sempre achei que por mais alegrias e tristezas que se tenham na vida, as que calam mais fundo são as familiares.

A casa dos meus pais não tem fechadura e basta puxar um cordel para se entrar. Apesar disso nunca foi assaltada porque o movimento de entradas e saídas da enorme família é constante. Isto faz com que lá todos se encontrem sem ser necessário marcar hora e cria uma enorme amizade entre primos, tios, cunhados, etc.

Agora em minha casa passa-se o mesmo. Já não tenho filhos em casa, mas é raro almoçarmos só os dois, pois aparecem quase sempre alguns filhos e netos.

Nos almoços habituais de domingo já somos 37. E ninguém dispensa, mesmo os netos mais velhos adoram estar com os primos e com os mais pequeninos.

Para concluir, diria que nas famílias numerosas as tristezas dividem-se e as alegrias multiplicam-se por muitos. Também que é mais difícil haver solidão, assim como também é mais difícil ser rico e menos provável ser pobre; transmitem-se valores e não bens.


Tem ideia de quantos partos realizou? Alguma história o marcou de modo especial, pela negativa ou pela positiva?

Muito por alto porque não tenho uma contabilidade organizada, penso que assisti a cerca de 10000 partos em toda a minha vida profissional.

Já fiz partos em calções de ténis por ser chamado de urgência e estar a jogar ali perto. Várias vezes após chegar ao Algarve ou outro sítio mais distante, voltava para Lisboa com uma chamada urgente. Só quando ia para o estrangeiro é que me deixava substituído.

Lembro-me de há uns anos, quando ainda não era moda os pais assistirem aos partos nem saber o sexo antes de nascer, após o nascimento duma menina, ter dado a notícia ao pai que aguardava ansiosamente à porta da sala de partos e ele ter exclamado: que bom, nunca vai sofrer o que eu sofri agora. Também me lembro dum parto em que tanto a parturiente como o marido tinham feito a preparação para o parto com a respetiva respiração e os ritos próprios, alguns que eu desconhecia na altura. Assim, quando a senhora fazia a respiração ofegante durante as contrações, o marido fazia o mesmo e os seus bigodes arrebitados oscilavam ao mesmo ritmo. Quando o bebé nasceu o marido impôs que eu o colocasse no ventre da mãe e quando eu me preparava para cortar o cordão umbilical, o pai deu um berro porque era ele que o devia cortar. Depois disto tudo e muito mais, cometi a ingenuidade de perguntar para que servia todo aquele ritual e fui prontamente informado que tudo isso contribuía para a união do casal. Passado menos de um ano a dita senhora apareceu na consulta novamente grávida e disse para mudar o apelido, pois o marido já não era o mesmo.

São episódios curiosos, e como estes há muitos mais, mas posso dizer que as coisas de um modo geral correram bem, como teriam corrido se eu lá não estivesse, embora algumas não tivessem corrido tão bem.


No exercício da Medicina, numa especialidade tão importante como a Obstetrícia, enquanto católico, que valores estão mais fragilizados e a necessitar de maior empenho na sua defesa e promoção?

Sinto que cada vez é mais difícil lutar pela defesa da vida, na minha especialidade, embora tenha grande esperança na juventude e nos novos médicos que saberão lutar por isso, pois cada vez mais se verifica que há jovens com convicções fortes e capazes de as defender. No entanto, sinto que, para mim, como católico, esta especialidade não seria opção, se estivesse agora na idade de optar. Seria difícil conciliar as atuais leis permissivas em relação ao aborto com o exercício da minha profissão, pelo menos num serviço público. Era preciso ter muita coragem e abdicar de muita coisa para conseguir singrar numa carreira hospitalar. Não sei se teria. No entanto, volto a dizer, talvez os médicos mais novos consigam arranjar uma solução sem abdicar do inalienável direito à vida desde a conceção até à morte natural.


Na sua maneira de ver, como está Portugal após o referendo sobre o Aborto?

Portugal está como os outros países mais desenvolvidos e até mesmo na linha da frente.

Dizem que é um progresso civilizacional, mas no que diz respeito à vida como a entendemos, ou seja, desde a conceção até à morte natural, parece-me mais um retrocesso. Tenho muita admiração por todos os que se batem pelos nossos valores, incluindo especialmente os meus colegas. Chamam-lhes temas fraturantes, mas tenho verificado que não fraturam assim tanto.

Por mim, tenho a convicção de que só na família poderemos educar segundo os nossos princípios e valores e acima de tudo dar o exemplo. E estender a cada vez a mais famílias esses valores.


Desde que iniciou a sua vida profissional, pressentiu um elemento, um sentir comum, (quase) imutável, na forma de viver uma paternidade e a maternidade sadias?

Tudo passa pela responsabilidade. Se constituirmos uma família, temos que lhe dedicar o tempo e a atenção necessários.

Também como médicos, se alguém confia nos nossos cuidados, deveremos estar disponíveis a toda a hora para atender os nossos doentes. Posso dizer que tive uma grande clínica e dei sempre os meus contactos a todas as doentes e grávidas e de um modo geral só me telefonavam quando era urgente. Pode ser um incómodo e no meu caso condicionou muito a minha vida, mas senti isso como uma obrigação.


Apesar de, como médico parteiro, passar os seus dias a trazer crianças ao mundo, sabemos que em termos de voluntariado se dedica sobretudo ao apoio aos idosos. Foi uma feliz coincidência ou uma escolha? Tem medo que as novas gerações esqueçam os mais velhos? O que é a Associação Coração Amarelo?

A Associação Coração Amarelo existe há cerca de 20 anos e foi criada com o intuito principal de combater a solidão que é um dos flagelos da sociedade atual, nomeadamente, ao contrário do que se poderia pensar, nos centros urbanos.

Tenho acompanhado como voluntário algumas pessoas que pela sua idade ou por sofrerem de alguma doença, por exemplo cegueira ou num caso que acompanho, doença de Machado-Joseph, se encontram num estado de solidão, por terem sido descartadas da sociedade e muitas vezes da própria família.

É um problema que me preocupa e não perco uma oportunidade para chamar a atenção de que muitas vezes a solidão é criada pela própria pessoa quando, por exemplo se afasta da família, afasta os filhos e os netos, maltrata a mulher ou o marido, etc. e quando olha à sua volta está só. Isto acontece em qualquer idade e tenho acompanhado pessoas desde os 30 e poucos anos, mas claro que é um problema que afeta maioritariamente as pessoas mais idosas. Vivemos numa sociedade utilitarista que facilmente descarta as pessoas quando acham que elas já não servem para nada.

Conheço casos de grande sucesso profissional que quando se reformam, pela idade ou por doença, se encontram completamente sós. Quando falha a família, falha quase tudo.


A terminar, como é ter um filho padre (que também é médico e o assistente espiritual da AMCP)?

Ter um filho Padre é uma grande alegria porque ele é um Padre feliz, mas não é diferente da satisfação que sinto por ter os outros 6 filhos felizes no seu casamento. Claro que ter um filho Padre, no nosso caso o mais velho, a primícia, é uma bênção e todos nós sentimos um grande apoio por isso. E não faz mal dizer que nós, pais, sentimos uma pontinha de orgulho pela educação que conseguimos dar aos nossos filhos e por sermos pais de um grande Padre.