Comunicado

AMCP  denuncia gravidade das propostas de alteração à lei da IVG e reafirma que a liberdade de consciência é um direito inviolável

É com preocupação e pesar que a Associação do Médicos Católicos Portugueses (AMCP) tem acompanhado as recentes propostas de alteração da lei da interrupção voluntária da gravidez (IVG) apresentadas pelo Partido Socialista (PS) e pelo Bloco de Esquerda (BE). O Partido Socialista defende que o prazo legal para realização da IVG deveria ser alargado para as 12 semanas. O Bloco de Esquerda quer ir ainda mais longe e permitir a realização da IVG até às 14 semanas.

Na génese desta proposta de alteração de lei estão supostos obstáculos no acesso à IVG, que segundo o PS dariam origem a “tantos relatos traumáticos em que exercer o direito a uma IVG é uma corrida contra o tempo”.

No meio da instabilidade dos cuidados obstétricos atualmente prestados em Portugal, com 6 em cada 10 grávidas a não terem acesso a uma adequada vigilância da sua gravidez em algumas Unidades Locais de Saúde (ULS), e com maternidades encerradas por todo o país por falta de profissionais de saúde, é lamentável que o PS e o BE estejam mais preocupados com as alegadas dificuldades no acesso à IVG do que com a visível degradação dos cuidados obstétricos em Portugal.

Detenhamo-nos na realidade que importa: dados publicados pela Direção Geral de Saúde (DGS) apontam que o tempo médio de espera entre a consulta prévia e a realização da IVG por opção da mulher foi de 6,4 dias, e que a idade gestacional media de interrupção manteve-se nas 7 semanas. Insistir que é necessário o aumento do prazo porque a lei não se cumpre não corresponde à verdade. Insistir que outros países têm prazos mais alargados não é prática que nos deva conduzir. Portugal é autónomo nas suas decisões.

Pretendem também PS e BE retirar a obrigatoriedade dos 3 dias de reflexão, afirmando que as mulheres não têm dúvidas sobre o que pretendem fazer.

Esta presunção é desumana e sem adesão à realidade. Configura até uma atitude de abandono de muitas mulheres. A prática das instituições que trabalham com mulheres que equacionam fazer um aborto é outra. Pode haver dúvida, angústia, ambivalência.  É fundamental manter um tempo de reflexão e de ajuda psicológica e social. A prática irrefletida e apressada de um aborto pode conduzir a traumas psicológicos posteriores com maior frequência.

Em Portugal, as 10 semanas foram o prazo votado pelos portugueses para a realização da IVG no referendo de 2007. Como podem agora PS e BE alterar um prazo que foi referendado até às 10 semanas? Que legitimidade têm?

A partir do momento em que se admite que nem todos os seres humanos têm direito à vida, torna-se necessário recorrer a critérios forçosamente arbitrários para retirar a alguns seres humanos esse direito. A diferença entre dizer que um feto não tem direito à vida antes das 10 semanas, das 12, das 14 ou em qualquer idade gestacional é uma mera questão de convenção social e política.

Nunca será demais afirmar que, como médicos católicos, defendemos a vida desde a conceção até à morte natural.

Para além do alargamento do prazo legal para a IVG, o PS e o BE pretendem ainda regulamentar a objeção de consciência. O BE ousa dizer que existe um “abuso da invocação” da figura do objetor. Sendo a objeção de consciência um direito individual que goza de robusta tutela constitucional, perguntamo-nos como terá o BE chegado à conclusão de que existiria um “abuso da invocação” deste estatuto? Em Portugal, cerca de 13% dos ginecologistas-obstetras estão envolvidos na realização de IVG. Será que o BE pretende fiscalizar os 87% de médicos desta especialidade à procura de invocações abusivas do estatuto de objeção de consciência?

A liberdade de consciência é um direito inviolável, consagrado na Constituição da República Portuguesa e na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Não existe nenhuma forma prática nem ética de fiscalizar a objeção de consciência porque fazê-lo é em si uma restrição ao seu livre exercício. Qualquer tentativa de não contratação de profissionais de saúde ou de penalização nas suas carreiras por serem objetores de consciência constitui uma grave transgressão, contrária à liberdade e certamente inconstitucional.  De igual forma, o direito à objeção de consciência deve poder ser exercido em qualquer altura, livremente, e sem tutela de qualquer organização ou entidade patronal. Um médico que em consciência não queira realizar um aborto não pode ser coagido a fazê-lo sob qualquer pretexto, incluindo sanções disciplinares ou pecuniárias.

A proposta de alargamento do prazo legal para a realização da IVG é arbitrária, sem qualquer justificação científica e contrária à vontade dos portugueses expressa em referendo, ainda que de forma não vinculativa, em 2007.

A AMCP reafirma que não há qualquer razão para mudar a lei no sentido proposto  e denuncia o conteúdo particularmente grave  dos projetos lei que serão discutidos em breve na Assembleia da República.

E reitera que a preocupação destes e dos outros partidos políticos deveria dirigir-se para os verdadeiros problemas que, de forma tão grave, afetam as mulheres que levam a gravidez até ao seu desfecho natural.

A Associação dos Médicos Católicos Portugueses

18 de outubro de 2024, Dia de São Lucas